Cartas para Jurema #5

Stella Monteiro
2 min readJun 10, 2022

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De quais cores pintarei as paredes dos meus fracassos, Vó?

Deixei a casa da minha mãe — sim, sua filha — para me aventurar a pagar meus próprios boletos. Enganou-se quem me sugeriu que esse movimento tratava-se de um grito ingênuo por liberdade, uma busca por independência precoce ou privacidade desnecessária. No meu caso, experimento a cada dia uma faceta nova da interdependência, da humildade e do desejo constante de fotografar, mostrar em chamada de vídeo ou relatar no WhatsApp às 7:00 da manhã os mais ordinários detalhes da minha vida em um apartamento de 40m2 para minha mãe. A primeira coisa que fiz aqui foi pintar de cores novas as portas e paredes dessa casa que, com dificuldade, agora chamo de minha.

De cara, encarei mais de perto algo que já vinha dando as caras em algumas reflexões: a inescapável solidão da vida adulta. No fim do dia, você se senta diante do seu lanche da noite e você está só. Essa cena de solidão parece muito relevante, mas ela é apenas um recorte mais dramático daquilo que qualquer adulto passa repetida e incasavelmente todos os dias. Não importa o quão rodeado de amigos e familiares você seja, só você assiste a sua tomada de decisão diária sobre como ordenar os eventos do dia, por exemplo. Ainda que outras pessoas dependam de você para isso ou que você dependa de alguém nesse aspecto, no fim do dia, há uma dimensão dessa rotina que só você pode experimentar. Seus pensamentos, suas escolhas, tudo isso colocado assim parece ser mais uma afirmação do neoliberalismo pós-moderno que individualizou ao extremo pessoas que antes compunham um tecido social complexo, mas — corrija-me se eu estiver errada, vó — , não são exclusivamente meus os sapatos quando eu os calço? Ainda que eu os empreste, enquanto meus pés ocupam o meu lugar específico no mundo, só eu posso preenchê-lo e esse é sim um lugar de solidão.

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Stella Monteiro

pés descalços, bilhetes escritos à mão, café, prosa boa, Cristo e pão.